QUE SÃO VICENTE TE ACRESCENTE..
Também assim era em Barbacena -, que esta reza, era soletrada pelas mulheres, num passado recente, quando acabavam de sovar, as volumosas “amassaduras”, de pão, com as quais garantiam o alimento, durante uma semana, pelo menos, das suas numerosas proles.
É minha convicção, que haverão ainda muitas pessoas, que se lembrarão certamente, de um forno de cozer pão e seus afins, que funcionava como forno comunitário, em Barbacena, tal e qual, como outros seus congéneres, que ainda hoje, funcionam nas mais diversas aldeias e vilas, por este País, fora.
continuar
Certamente, que todos, ou quase todos, os habitantes da Vila, mesmo os mais novos, terão pelo menos, ouvido falar, de que no tempo em que em Barbacena, e por todo o País - afinal, as famílias eram muito numerosas -, as donas de casa, para minimizar, as dificuldades, com que se deparavam na difícil missão, de governar os lares, e de alimentarem os seus numerosos agregados, tinham elas mesmas, de amassar quantidades substanciais de pão, semanal ou quinzenalmente, consoante, fossem as suas necessidades. Frequentemente, direi mesmo, diariamente, se viam por cá, nas ruas, estas esforçadas mulheres, donas de casa, com tabuleiros de madeira, à cabeça, pejados de enormes pães, a caminho do tal forno comunitário, ou já de regresso a suas casas, com o pão já cozido; sem quase darem por tal, elas próprias, essas heroínas, davam continuidade a um legado, que as suas mães e avós lhe tinham deixado, como herança.
Em grandes alguidares de barro, amassavam, usando a força braçal, quantidades consideráveis de farinha, à qual juntavam o natural fermento, que mais não era, que um pedaço de amassadura, do dia anterior, que uma vizinha, lhe tinha dispensado; depois de ter considerado que a massa já estava bem sovada, cumpria o peculiar ritual, considerado tão normal, naquela época, que era o de fazer uma cruz, sobre a massa, com o dedo indicador da mão direita, enquanto em surdina, ia dizendo: «Que S. Vicente te acrescente, que és para muita gente..!!».Em seguida, cobria todo o alguidar, com um felpudo cobertor, para que o produto do seu árduo trabalho, pudesse ´´dormir´´ e levedar, durante algumas horas.Com o pão já feito, havia que o cozer; disso se encarregava, o forneiro, Sr. Joaquim Carvalho, pai do nosso conterrâneo, Francisco Guerra Carvalho (Chico Carteiro), que era proprietário do tal forno comunitário, que existia ao fundo da Rua de S. Francisco.
Era assim, naquele tempo, em que, as donas de casas, para poderem garantir o sustento das suas numerosas famílias, apelavam a S, Vicente, que lhes desse uma mãozinha, na esperança de que o santinho, lhe acrescentasse a amassadura, a qual, tinha que dar, para muita gente.
(“O horizonte de felicidade das gentes resumia-se a pouco – “haja saúde, coza o forno, e o pão seja para nós!”).
Imagem: JEAN-FRANÇOIS MILLET (1814 - 1875) Mulher, assando, pão.
Num grão de trigo habita
Alma infinita.
Alma latente, incerta, obscura,
Mas que geme, que ri, que sonha que murmura…
________________________________
Com quantos grãos de trigo um pão se fez?
Dez mil talvez?
Dez mil almas, dez mil calvários e agonias,
Todos os dias.
Ramalho Ortigão Ramalho Ortigão
Barbacena, 17 de Agosto de 2018
PÁGINA INICIAL
Sem comentários:
Enviar um comentário