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As (Madrinhas de Guerra)

HISTÓRIAS DE VIDA
AS (MADRINHAS DE GUERRA)
26056037_307157169793240_7913731839304797817_nAssim, eram chamadas, essas simpáticas mulheres, umas jovens, outras já nem tanto, que se encarregavam, durante a chamada Guerra Colonial, de dar conforto moral, e às vezes também material, aos soldados, na linha da frente, quase sempre, sem os conhecerem.
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Muitas histórias, passadas durante aqueles 13 anos, enquanto durou o conflito, estarão guardadas no segredo dos Deuses, e outras, também, muitas, foram com os seus actores, para a eternidade, quando estes partiram; outras porém são guardadas nas memórias de quem as viveu, ou nos baús onde “dormem” as cartas e aerogramas, daqueles que as viveram.
Durante aquele longo período, houveram histórias, das quais as madrinhas de guerra, eram protagonistas, que merecem ser contadas, pois envolviam por vezes situações, que se tornavam invulgares, estranhas, e algumas eram mesmo hilariantes.
Durante aqueles vinte e oito meses, em que, convivi de perto, com esse ambiente, em que o contacto escrito, com essa simpáticas mulheres, era o trivial, dos quarteis militares, tive conhecimento de alguns ´´incidentes, amorosos´´, que aconteceram a alguns dos meus companheiros; lembro-me de algumas, mas esta que me propus contar-vos, e que é objecto da minha predileção, visto sempre, lhe ter dado alguma importância, devido á celeuma, que causou, lá na unidade; a descrição é notoriamente mais extensa do que é habitual, nas minhas publicações; por esse motivo, peço desculpa, especialmente aos amigos, que não gostam de publicações alongadas; mas... vamos à nossa história:
O João, (nome fictício) soldado lá do meu grupo, aproveitando um nome, de uma candidata a ser madrinha de guerra, de militares, que figurava numa revista da época, onde constava também a morada, da mesma, e que já tinha acedido a ser sua madrinha de guerra, escreveu-lhe assim:
«Minha querida madrinha de guerra: muito estimo, que esta minha simples carta a encontre de perfeita e feliz saúde, na companhia de seus paizinhos, e demais família, eu encontro-me bem, graças a Deus.»
Foi deste modo, que o João, oriundo de uma aldeia do Douro vinhateiro, iniciou a sua segunda carta, àquela simpática mulher. Das três cartas que recebera daquela sua madrinha, uma atraiu-o, em especial, pela forma carinhosa e afectiva, como aquela mulher, se expressava; palavras lindas, algumas das quais ininteligíveis, para a sua quarta classe, tirada aos onze anos; um tempo em que ele intervalava a escola, com o pastoreio das cabras, ou andar á frente da junta de bois, do pai, para ter direito á malga de sopa.
Os pais, analfabetos, raramente conseguiam durante a tropa do João, que o seu irmão mais novo lhe enviasse uma carta ou aerograma, a dar notícias. A madrinha, ao contrário, parecia ser gente fina, escrevia coisas lindas, e até lhe mandou uns versos; o João, ficava doido, ao ler aquelas lindas missivas, talvez dali, nascesse, um namorico.
Sofia, (também nome fictício) assim resolvi chamar à madrinha de guerra do João, era patriota, e tinha orgulho em ser Portuguesa, e respondendo ao apelo do senhor abade, feito na prática da missa, lá na sua aldeia beirã, resolveu dar apoio aos militares em serviço em África. Todas as semanas, Sofia escrevia uma carta ao afilhado. Por outro lado, quase todos os dias, o carteiro lhe entregava, um estranho papel amarelo, (aerograma) escrevinhado em todos os cantos, numa letra difícil de ler.
O João, todo contente e ufano, mal ouvia o roncar anunciador da chegada da avioneta que trazia o correio, corria para a pista, e fazia uma espécie de guarda de honra, ao saco do correio. Depois era o esperar pacientemente, que o pessoal da secretaria fizesse a selecção das cartas e aerogramas, e o clarim tocasse, para a distribuição; a seguir, depois de serem lidas as missivas - era o sorriso de uns que recebiam boas noticias -, e outros, cabisbaixos, muitos vezes a caminho da cantina, (bar), para tentar esmagar a dor do esquecimento, numa cerveja gelada, caso houvesse. João, lia e relia as cartas da madrinha; a rapariga, devia ser doutora; pensava ele, e lá ia ter com o alferes, para lhe explicar melhor, o que ela lhe queria dizer, nas cartas rapidamente, os colegas se aperceberam, que o João tinha arranjado ´”tacho” e logo ele, o menos letrado do grupo todo, que mal sabia ler era gozado nas conversas da caserna, porque se tornara um gabarola, e porque quando chegava o correio, todo o seu comportamento se alterava desde o correr para o saco do correio, e o ficar junto à secretaria, à espera da distribuição das cartas enfim... era o João. Tornou-se mais comunicativo agora, lia revistas, e fotonovelas, pedia ao alferes, que lhe emprestasse livros, para aprender a dizer, certas palavras, que lia nas cartas, da sua amada; porém, ficava chateado, se os colegas pegavam com ele, insinuando que a madrinha do João tinha namorado, na Metrópole.
Um dia, enchendo-se de coragem, pediu à madrinha, para a poder tratar por tu e esperou pacientemente pela resposta, que nunca mais chegava, um tanto desiludido, e arrependido, pensava: «mas... porque é que ela, continua a escrever-me , e não me fala no assunto..? Será, que não gostou da minha ousadia, e me vai deixar..?»
Certo dia, ao chegar de um serviço no mato, esgotado e sem vontade, alegrou-se de imediato, e não conteve um grito de alegria, que foi ouvido em toda a caserna: a “sua” Sofia, numa carta, tratava-o por tu afinal, tinha sido, um tiro certeiro - bem dizia o alferes - pensou ele; nessa noite, na cantina, houve festa, com cerveja, para os amigos até o alferes, foi beber um whisky, com cola; carta para lá, aerograma, para cá, umas fotos mal tiradas, que eram enviadas à madrinha, e o suposto namoro, continuava.
Nas entrelinhas da escrita do João, tinha Sofia, descoberto um jovem simples, bem-educado e honesto. O João, não me engana -, pensava ela.
Orgulhoso da sua madrinha de guerra, o João era matraqueado pelos camaradas, queriam que ele lhes mostrasse, uma foto da sua amada, para o fazerem afinar, mostravam-lhe eles, as fotos das suas namoradas até alguns casados, já tinham madrinhas de guerra, que também, eram suas namoradas, o que chocava o João, educado segundo os preceitos da Santa Madre Igreja. Ele, quando namorasse, iria ser fiel, á sua cachopa, eternamente.
Uma noite, depois de matutar bem, no assunto, decidiu-se: logo de manhã, foi ter com o alferes, e com a sua ajuda, escreveu um aerograma a Sofia, no qual lhe pedia o envio de uma fotografia, para a conhecer. A resposta demorou imenso tempo, mas chegou, mais uma vez a carta, onde vinha a fotografia, rezava assim: Pois, aí vai, uma foto minha, lamento desiludir-te, mas sou uma viúva de 83 anos, tenho 5 filhos e 16 netos, e uma ranchada de bisnetos. Pensei um dia, em ajudar um, ou mais soldados, que precisassem de carinho, lá longe, no Ultramar apareceste tu, no caminho do meu anuncio, na revista a partir de agora, dependerá de ti, continuarmos a escrever, um, ao outro.
Foi como se o Mundo todo desabasse em cima da cabeça do João.
Dizia ele com a lágrima no olho: A velha gozou-me...!! Se eu pudesse, ia a casa dela, e partia aquilo tudo, e dava-lhe uma carga de porrada..!
Cerca de mês e meio de mudo silêncio...
O nosso João deixou de correr para a porta da secretaria mas quando chegava o correio, e os colegas lhe perguntavam se a namorada estava bem, recebiam respostas azedas e tortas, que por sua vez, ainda acicatavam mais, o gozo, por parte dos provocadores.
Um dia, quando Sofia já tinha perdido a esperança de retomar o contacto com o seu afilhado de guerra, o carteiro, bateu-lhe à porta, para lhe entregar um aerograma. Uma lágrima selvagem teimou em correr-lhe pela face, enquanto abria o “bate estradas” de supetão, e tentava decifrar os gatafunhos, dos quais já se desabituara, conseguiu ler esta mensagem, que dizia assim:
Minha querida madrinha de guerra.
Muito estimo que este meu simples aerograma a vá encontrar de perfeita saúde, junto de seus filhos e netos eu encontro-me bem, graças a Deus. Querida madrinha: vivi enganado, durante este tempo, todo, devido ao grande amor, que as suas lindas palavras de conforto inspiraram em mim, fique sabendo madrinha, que gostarei sempre de si, não sabe minha querida madrinha, quanto me tem ajudado a passar o tempo, neste desterro. Receba um beijo meu, madrinha..!!
Com este texto, baseado num caso real, quero agradecer também eu, a essas tantas mulheres jovens, especialmente à minha, que espero esteja de boa saúde, a Maria Ana, uma jovenzinha de Alter do Chão, e outras, já com mais uns anitos, que ao longo de 13 anos, aceitaram o desafio, de serem madrinhas de guerra e enfrentaram, à sua maneira, os efeitos de um destino, que nos foi imposto.

Carlos Catalão Panaças
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Barbacena, Quinta Feira, 08 de Novembro de 2018, ás 21H24




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