Pancadaria no Farrapo
Muito
antes da Empresa Domingos Maria Peças, vulgarmente conhecido em Barbacena,
apenas pelo epíteto de "Banana", ter projectado, durante
muitos anos, centenas de filmes já sonorizados, na sala de espectáculos da
Vila, o "Depósito", mesmo antes, da propaganda cinematográfica que o regime
vigente, na época, neste País, fazia pelas localidades do interior, já aparecia
por lá, pela Vila, um individuo, com um projector de cinema mudo, ambulante,
que a partir de uma janela, da antiga Capela de Sebastião, ali ao Largo de
Santo Mártir, já desactivada, nessa época, e a troco de umas parcas moedas, que
eram por nós atiradas para dentro de uma bandeja, apresentava para a população
algumas fitas, que apesar de não terem som, eram entusiasticamente, apreciadas,
por velhos e novos, habitantes da terra.
Para nós, gaiatos, as fitas, extasiavam-nos, na sua
quase totalidade e eram filmes de acção, mais concretamente, filmes de cowboys,
e como nunca tínhamos visto nada do género, pois nessa época não tinha ainda
chegado lá a televisão, e sendo o ecrã improvisado, um enorme pano branco,
seguro, e bem estendido, entre dois altos barrotes, delirávamos, com os
movimentos efectuados pelas gigantescas figuras exibidas no enorme farrapo, lá
no alto por cima das nossas cabeças.
A criançada, talvez por opção própria,
ficava à frente, dos restantes espectadores e como não tínhamos cadeiras, como
os adultos, que as traziam de casa, tínhamos que sentar no chão, para não
tirarmos a visibilidade a quem estava por detrás de nós; por vezes, ficávamos
mesmo por baixo, à vertical do ecrã. No decorrer dos tiroteios, travados entre índios
e cowboys, como a fita não tinha som, o estampido dos tiros, não era audível, e
tudo passava despercebido, no que respeitava à acção, dos valentes homens do
Oeste Americano, até ao momento, em que uma cena mais movimentada, e na qual, a
imagem, devido ao seu desmesurado tamanho, parecia dar a entender, que os
artistas estavam mesmo ali, perto de nós, os Caras Pálidas, ou sejam os
cowboys, tinham que atravessar um grande rio, em perseguição dos índios Apaches.
As patas das dezenas de cavalos a galope, lado a lado, faziam
levantar do caudal do rio, uma enorme onda de água, que com a imagem do filme
em grande plano, parecia transbordar, para fora do ecrã; resultado da
inesperada cena: nós, o mais novos fugimos de imediato dali, e fomos seguidos
por alguns adultos, que tal como nós, tiveram receio de ficar molhados, por
aquela água lamacenta do leito do rio.
A terminar, e porque já me estava a esquecer, quero
esclarecer que o titulo que eu dei a esta publicação, Pancadaria no
Farrapo , era a maneira muito suis geniris das gentes de Barbacena, de
apodarem tudo o que achavam invulgar, e que neste caso concreto, se devia ao
facto, de serem quase exclusivamente filmes de acção, onde a pancadaria, era
uma constante, nas fitas, que o tal senhor, que, de tempos a tempos, vinha a
Barbacena projectar, num farrapo, seguro por dois altos barrotes, ali, ao Largo
do Santo Mártir, na minha terra, Barbacena, no Alto Alentejo.
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