O NATAL DA MINHA TERRA
No tempo da minha infância e adolescência, na Noite de Natal,
não se acendia o «madeiro do Menino» ou «cêpo de Natal», tradição tão
portuguesa, seguida por todo o País, e que de há alguns anos a esta data,
também em Barbacena, tem aceitação, por parte de um grupo de rapazes, que o
acendem, no Largo de Nossa Senhora do Paço.
Nos anais da história e tradições natalícias de Barbacena, Vila do Alto Alentejo, também não constava uma tradição gastronómica, com reminiscências nortenhas, e que a pouco e pouco, e por razões várias, se vem instalando paulatinamente, por todo o País, e nesse contexto, Barbacena, não tem sido excepção; refiro-me ao tão genuinamente português, bacalhau com couves e batatas, prato considerado trivial, mas que ganhou estatuto de ser servido, naquela noite Santa à mesa, da maioria dos portugueses.
Durante as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, a noite de Natal, era festejada, pelas ruas, da minha terra natal, por vários grupos de rapazes, que cantando loas ao Menino Deus, enquanto faziam vibrar as ronfenhas roncas (1) , emprestavam ao ambiente festivo, que se vivia essa noite, por lá, uma mais-valia, de que nós, os contemporâneos desses tempos, lembramos com um pontinha de saudade.
Logo que chegava o mês de Dezembro, na escola dos rapazes, era montado um lindo presépio com musgo, recolhido por nós, alunos, das várias classes, e que fazia as nossas delícias; também na escola da raparigas, ali à Rua Direita, a saudosa professora Luísa Silva, montava o seu presépio com musgo, apanhado pelas meninas, suas alunas. Outra dessas alegorias natalícias, feitas com lindas imagens de barro, e das mais dignas de serem admiradas, eram o imponente presépio, montado na igreja matriz, da Vila. Alguns dias antes do Natal, as raparigas das escolas, eram incentivadas, a semearem as suas searinhas do Menino, em pequenos vasos, que na quadra festiva, expunham junto dos presépios.
Nos lares, sentados ao redor de acolhedores e reconfortantes lumes de chão, acendidos nas enormes chaminés, tão características no Alentejo, naquela época, as famílias, iam degustando a «missa dura», que mais não era, do que aquilo, que hoje, chamamos «consoada», e de cuja ementa, como atrás frisei, não constava o «fiel amigo» bacalhau, mas sim a carne de porco, advinda da matança do porco, cevado no chiqueiro, lá do quintal de casa, que ocorrera há poucos dias, ou ainda uma peça de caça, bem acessível na altura, junto dos vários caçadores, que haviam na Vila. As filhós e azevias, com recheio de grão-de-bico, faziam parte das iguarias também servidas, aos convivas. Naquele ambiente caseiro, e de festa, também se cantavam lindas canções de Natal, que só eram ouvidas naquela zona, e que há poucos anos, os musicólogos e melómanos recolheram, e inseriram no cancioneiro, com o pomposo nome de «Natal de Elvas».
À meia-noite, impreterivelmente, ao contrário de hoje, um dos sonoros e bem timbrados sinos da torre sineira, da igreja matriz, tocava para a celebração da «Missa do Galo», à qual a grande maioria da população assistia; algumas atitudes mais irreflectidas por parte dos mais jovens, que se tinham deixado toldar pela mistura das bebidas espirituosas, eram controladas, e por vezes mesmos evitadas, por uma patrulha da GNR, que prostrada, junto à porta da igreja, tentava minimizar certos excessos, por parte de quem não conseguia resistir aos efeitos do etilismo.
Tenho, em natais recentes, passado alguns por lá, pelas origens, e é com estranheza, que constato, que naquela noite sagrada, as ruas da minha Vila, ficam desertas, e que já não se cantam as tradicionais loas, à Virgem que está em trabalho de parto, e ao Redentor Seu Filho; apenas um diminuto grupo de rapazes, que em redor de um lume, vão deglutindo umas cervejas, e que não cantam, porque segundo dizem, não sabem cantar.
Para terminar digo, que até eu, que até ir para a tropa, não sabia que o bacalhau com couve e batatas era o prato típico da Noite de Natal, actualmente já alinho também, nesse ritual, que antigamente, não se seguia em Barbacena.
(1) - A Ronca é o instrumento musical que acompanha os cantos de
Natal em Elvas. Membranofone de fricção constituído por uma estrutura
cilíndrica com uma pele esticada numa das aberturas. É percutido por uma cana
fixada no centro da membrana. O executante, com a mão molhada, fricciona a cana
fazendo vibrar a pele e produzir um ronco. Existe, com muitas designações
(Ronca, Zamburra, Zambomba...), na Europa, África e América do Sul. Origem não
identificada. IN _ e-Museu MEMORIAMEDIA
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