A NECESSIDADE AGUÇA O ENGENHO
Os modernos e sofisticados colchões, que hoje usamos nas nossas camas, só há relativamente poucos anos, surgiram no mercado; quem actualmente, neles repousa, e não tenha conhecido as antigas enxergas e colchões, confeccionados, com os mais diversos materiais, de que as pessoas dispunham, naquela época, não poderá, de uma forma concisa, aquilatar, o quão rudimentares e pouco cómodos, eram os mesmos.
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Durante os prolongados serões, tão típicos no Alentejo, em épocas idas, havia entre as pessoas de Barbacena, uma salutar convivência, e não dispondo de outros métodos de distracção, como os que hoje proliferam por aí, as pessoas, durante os longos serões, ajudavam-se mutuamente, na confecção de certos artefactos utilitários, para o seu conforto, e bem-estar.
Ao aproximar-se a data de um casório, havia que preparar o colchão, para o novo leito conjugal. Com quatro ou cinco “velos”[1] de lã das ovelhas do rebanho, que há pouco tinha sido tosquiado, e que entretanto tinha sido lavada, no lavadouro público, da Vila.
Depois de seca ao sol, a lã, aguardava agora, que em casa da mãe da noiva, se agendasse um desses animados serões, para, entre conversas de comadres, uma ou outra novidade acontecida na Vila, ou uma anedota, por mais brejeira que fosse, se desse início ao esguedelhar da virgem lã, tornando-a mais macia, e mais confortável; era uma actividade e ao mesmo tempo um passatempo, que ocupava por vezes, várias noites, de bem conversados serões, regados com o típico café ou cacau, feitos em lume de chão, na típica chocolateira.
O pano adequado que iria servir para a confecção do colchão, propriamente dito, e que iria ser enchido, com a esguedelhada lã, era comprado nas diversas lojas de fazendas, de que Barbacena dispunha naquela época. O enorme saco feito à medida do férreo catre, depois de recheado e cosido, era então colocado sobre a cama. De outro material também ele, genuíno dos nossos campos, faziam-se igualmente colchões, que, diga-se, com alguma propriedade, eram ainda menos confortáveis, em relação aos “apetecíveis" na época, colchões de lã; refiro-me, claro está, ao folhado de milho, também ele motivo de animadas “desfolhadas” em casas particulares, ou nas eiras, com o milho depois de seco a ser desfolhado, e a sua “mortalha” [2] a servir também para o recheio dos então muito usados enxergões e colchões. Eram muito mais baratos, do que os modernos colchões, que são hoje usados, mas também foram eles, por vezes, causadores de problemas ósseos, alguns dos quais, irreversíveis.
Setúbal, 08 de Agosto de 2018
[1] Vélos - novelos feitos com a lã dos ovinos, após a tosquia.
[2] Mortalha - palha que cobre a espiga de milho.
NOTAS:
Desfolhadas
Mas quem mais gosta deste trabalho são os moços. Enquanto uns desfolham o milho, outros vão amarrando a palha em magotes que se chamam frescais. Estes frescais vão sendo colocados em volta de uma árvore ou uma vara de pinheiro em forma de pirâmide e quando terminado, ou seja, alcançando determinada altura, chama-se mêda.
Durante a desfolhada o ponto culminante é o aparecimento do milho Rei. É uma espiga totalmente vermelha e o achador terá o direito de beijar e abraçar todas as moças e senhoras que se encontrem participando desse trabalho.
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