OS CANTONEIROS
ESSES GUARDIÕES DAS NOSSAS ESTRADAS
Quem se lembra deles. Eram funcionários da extinta Junta Autónoma das Estradas, que zelosamente, cuidavam das vias rodoviárias deste País, durante a vigência do chamado Estado Novo.
Mobilizados para “cantões” demarcados ao longo da via, cuja manutenção estava a seu cargo, mantinham a conservação e o bom estado da área de jurisdição, que lhes estava atribuída; a limpeza das bermas e valetas onde a erva teimosamente crescia espontânea, estava a seu cargo, como também era da sua responsabilidade, a reparação de todo o pavimento, antes dos inovadores tapetes de alcatrão, virem a dar outra qualidade de conservação e segurança aos caminhos da rede viária, entre as localidades deste País.
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Quando os “cantões” que lhes estavam atribuídos ficavam longe das povoações, dispunham estes funcionários públicos, de instalações para habitação, à beira da estrada, e que eram denominadas de Casa dos Cantoneiros.
Usavam farda cinzenta de méscula, chapéu de abas largas, de cuja copa, sobressaía uma enorme chapa identificativa com o escudo da República Portuguesa; as suas ferramentas, eram uma pá, uma enxada, e uma picareta.
A memória que deles tenho, dos que tive ensejo de conhecer, ali pelas estradas que bordejam Barbacena, é a de que eram homens trabalhadores, corteses, e respeitadores, mas escrupulosos cumpridores dos regulamentos do trânsito, pois era da sua lavra, a colocação de sinalética vertical. Que orientava o fluxo rodoviário, que embora naqueles tempos, não fosse tão intenso como hoje o é, tinha contudo, mais veículos de tracção animal, que com os seus rodados estreitos e férreos, estragavam, não raramente, as bermas, danificando o minucioso trabalho do cantoneiro.
Uma das suas múltiplas funções e prerrogativas, era a de poder autuar, algum carroceiro, mais negligente, que dormitando, deixasse os animais desviar a carroça, para a berma da estrada; estas situações, embora raras, obrigavam os zelosos cantoneiros a abrir uma caixa metálica, que lhes pendia do largo cinturão, e escrevinhar o nome do condutor e o número da chapa municipal da carroça, para ulterior elaboração do respectivo auto, de que se encarregava o cabo, seu superior hierárquico. Ali, perto da minha Vila, actuavam como cantoneiros, o Sr. Joaquim Caroço, o ti Manel, e o calmo e bondoso António Caras-Altas, conhecido lá na terra, por Grandela, que deixou nome naquela zona. O cabo era o Sr. Francisco, com excepção do Sr Grandela, que era natural de Barbacena, eram todos oriundos da zona de Portalegre, e tinham sido mobilizados, para ali, para aqueles cantões.
Hoje, foi deles que me lembrei, e resolvi homenagear estes valentes homens que foram cantoneiros, durante a vigência do anterior regime a que chamaram Estado Novo.
Setúbal, Agosto de 2018
Notas:
Os cantoneiros eram funcionários públicos, durante o Estado Novo, ao serviço do Ministério das Obras Públicas, que tinham como função manter as estradas nas melhores condições possíveis, sendo responsáveis pela sua limpeza, conservação e reparação sempre que necessário.Usavam uma farda de trabalho oficial composta por calças e casaco em tons cinza azeitona e/ou acastanhada, botas de ensebar, e um chapéu de abas semi-largas, arredondado no topo.
Como trabalhadores alfabetizados que eram, tinham que conhecer de cor O Manual do Cantoneiro,[1] instrumento de formação profissional que ensinava o ofício do cantoneiro e exigia o rigoroso cumprimento de todas as regras, em particular das do vestuário.
No que diz respeito ao trajar, esta cartilha referia que:
O pessoal cantoneiro deve apresentar-se na estrada convenientemente uniformizado, de harmonia com o que está estabelecido, barbeado e de cabelo cortado, não esquecendo nunca que deve impor-se pela sua apresentação. (…) Os cantoneiros poderão trazer, por debaixo da camisa regulamentar, os agasalhos que lhes forem necessários, não lhes sendo, porém, permitido envergar sobre a farda qualquer outra peça de vestuário, além do casaco e calça impermeável, fato de couro ou fato de macaco, quando estiverem trabalhando com betume. Durante o verão usarão a camisa com a gola aberta nos dois primeiros botões e as mangas arregaçadas, se o calor a isso obrigar. Os chapéus regulamentares serão usados sem a copa e a aba se apresentarem deformadas.
Fonte: Manual do cantoneiro: serviços de conservação das vias municipais / Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização. - Lisboa: D.G.S.U., 1954. - 66, [1] p.: il.
Com o seu característico fardamento, os cantoneiros eram figuras verdadeiramente carismáticas que prestavam grande apoio às populações. Eles faziam autêntico serviço público quando davam informações aos turistas ou de uma forma geral a todos os automobilistas que circulavam nas estradas nacionais e lhas solicitavam.
Actualmente, esta profissão já se encontra extinta.
Aqui: https://museudachapelaria.blogspot.com
[1] Regulamento Provisório para o serviço dos cantoneiros176, foi publicado a 25 de Junho
de 1846
1. “[O] cantoneiro vive triste e eu compreendo também, como médico, a razão da sua tristeza. É que o cantoneiro, apesar da sua boçalidade, sente uma interior insatisfação, que não sabe precisamente, definir, mas que pràticamente podemos enquadrar no foro das doenças nervosas. O cantoneiro, embora superficialmente, vai desenhando o quadro da «claustrofobia», doença a que já nos habituámos, com certa frequência, a observar nas classes mais elevadas da população. É que o cantoneiro vive, na verdade, uma existência confinada no espaço e no tempo! No espaço, entre duas bermas de um troço de uma estrada; no tempo, entre o nascer e o pôr do sol.”162
Deste modo se referia aos cantoneiros o Deputado Jorge Ferreira, na Assembleia Nacional, em 1960. Com efeito, ao longo de mais de um século, a estrada era o seu local de trabalho, sete dias por semana, do nascer ao pôr-do-sol, sujeitos às condições meteorológicas, sem poderem abandonar o seu local de trabalho em caso algum, nem mesmo durante as pausas a que tinham direito para descansar e comer163
162 Diário das Sessões, nº. 147, Ano de 1960, Sessão nº 147, de 26 de Janeiro, p. 42.
163 Condições expressas em todos os regulamentos, desde o primeiro, em 1846, até ao Estatuto das Estradas Nacionais, de 1949.
2. O primeiro diploma dedicado a este assunto específico em Portugal e pelo qual o Estado chamava a si as funções de manter em bom estado a rede viária, com o título de Regulamento Provisório para o serviço dos cantoneiros176, foi publicado a 25 de Junho
de 1846.
3. Quanto aos salários previstos, eles deviam corresponder aos do trabalho agrícola e, como estes, variar consoante as zonas do país, com o limite de duzentos reis ($200) por dia de trabalho. Ao longo do tempo, os salários dos cantoneiros permaneceram baixos.
Em 1916, um cantoneiro ganhava, em média, vinte centavos por dia ($20), sujeitos a 5% de desconto para a aposentação, enquanto um operário eventual, contratado para suprir a falta de cantoneiros, pelo mesmo trabalho recebia entre cinquenta e sessenta centavos ($50/$60) por dia185. Mais de cinquenta anos passados, em 1969, a situação era similar, com os cantoneiros remunerados entre vinte e seis e vinte e nove escudos (26$00/29$00) por dia, ou seja, praticamente metade dos cinquenta a sessenta escudos (50$00/60$00) que eram pagos pelo mesmo serviço a trabalhadores contratados186
As casas dos cantoneiros do Algarve
Da conservação das estradas a património a conservar
Dissertação de Mestrado em Estudos do Património
Maria Isabel S. Carneiro
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